Memórias de uma época - III

20111018

A panela da nova cultura

Na grande panela da nova cultura se encontra de tudo. O cultural se torna político-social-cultural e as pessoas vivenciam uma crise de valores, na cultura do circo, festiva e carnavalesca

A palavra cultura (em sentido amplo) recobre um conjunto de interpretações do mundo e, sobretudo, de padrões de comportamento. As pessoas necessitam de orientações em seus cotidianos para posicionar-se, decidir e atuar num mundo complexo e aleatório. Mas se a religião e a cultura entram em aliança, a independência da pessoa queda-se quase ilusória e a emancipação pessoal requer um esforço formidável do qual muito poucos são capazes. Em sentido restrito, a cultura de uma época são suas formas de linguagem, sua música, sua arte, seu saber literário, enfim,o que sempre se entendeu por cultura direta (in recto).

Segundo Blas Lara (2010), a cultura contemporânea “se converteu num ectoplasma, numa doxa coletiva, num estado de opinião, numa sensibilidade”. Na grande panela dessa nova cultura se encontra de tudo: uma boa dose de relativismno nietzscheano (para eliminar o gosto rançoso dos valores tradicionais); relativismo moral não obscuro e nihilista, mas aliviado pela frivolidade e a mudança; mais diversão; mais ecoturismo; um bouquet de dogmas políticos; uma dose de ingênua bondade política interna e externa e, por último, novos e simplistas credos democráticos. Toda essa mistura é remexida e agitada por alguns meios de comunicação televisivos e radiofônicos, e servida diariamente..

Lara (2011) observa que “o cultural”, em sua versão de contrabando, “se converte em político-sócio-cultural”, ensejando um conceito de “nova cultura”. Vendem-se como cultura um cinema que de nenhuma maneira reflete a realidade social local, o disparate inconsequente de muitos programas de televisão e uma banalidade sem limites na linguagem, tanto na mídia como na rua, em permanente competição para saber quem é mais grosseiro. “Este será o mais engraçado e o mais inteligente”, para as crianças em idade escolar.

A sociedade contemporânea (quase toda) está aflita com o desemprego e a crise econômica endêmica, mas outra crise pode afligí-la, mais duramente, em profundidade: “a crise dos valores que mina os fundamentos de nossa vida em comum, a família e o Estado” e que deveria estar no centro do debate social e, não, o cataplasma universal da nova cultura (Lara, 2010).

Pão e circo eram no tempo dos romanos. Hoje basta ao povo apenas a cultura do circo, festiva e carnavalesca, como a dos dias de orgulho gay – versão amistosa das grandes paradas nazi-fascistas – ou como a montagem midiática dos multititudinários fervores em honra de heróis desportivos, que também já foi usado, em outros tempos, como ópio do povo, e hoje ainda servem para alienar as massas (Lara, 2010).
Os políticos inventam sentido para as coisas e, segundo Lara (2010) esse sentido passa a ser o cerne de uma propaganda destinada a comprar adesões – uma propaganda adulterando a realidade para suavizar perfis audaciosamente danosos e dolorosos por meio de um slogan ilusório, que assim se reume: Aqui tudo vai bem e viva a festa, porque podemos pagar!

Nesse labor, os forjadores de doxas coletivas se apoderaram da linguagem através da imprensa e das televisões, que são artífices permanentes da opinião pública, e falsificam o sentido das palavras. Uma delas é a palavra democracia, usada maliciosamente como conceito-chave nas sociedades ocidentais contenporâneas.
[...] aí temos a obra de mercenários da ideologia redefinindo o que é democrático e o que não é. Uma apropriação semântica vergonhosa. Para dar um exemplo concreto: tem que vem ver com que furor taxam de antidemocrático quem quer debater sobre a oportunidade das mencionadas gays parade,que apesar de ser objeto de riso universal, deveriam ser um sério tema de debate (Lara, 2010).
A nova cultura se reveste de formas religiosas, com seu alto e baixo clero e fervorosos apóstolos que tergiversam tudo, inventando falsos focos de interesse para as pessoas do povo, levando-as ser esplendidamente dadivosas com as misérias distantes e pouco conscientes da magnitude da própria situação.

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20110102

Atentos à nova gestão da cultura

A nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, assume o Ministério da Cultura sob pressão

Ao deixar o Ministério da Cultura, o ex-ministro Juca Ferreira (foto) divulgou carta no site do MinC ressaltando o maior acesso dos brasileiros à cultura devido à política adotada no governo Lula.
A importância que a cultura adquiriu no governo Lula significa que não basta aumentar o poder aquisitivo dos brasileiros. São necessárias muitas outras coisas, tais como meio ambiente saudável, educação de qualidade e acesso pleno à cultura (...) Na gestão do governo Lula, a cultura em nosso País passou, definitivamente, a ser tratada como primeira necessidade de todos, tão importante quanto comida, habitação, saúde etc. Essa foi uma grande vitória. Talvez a maior de todas. Colocamos a cultura no patamar superior das políticas públicas no Brasil.
Ferreira disse ainda não se sentir plenamente satisfeito com os resultados alcançados e que o MinC contribuiu para que a cultura fosse incorporada ao projeto de desenvolvimento. O ministro citou os projetos de lei que ainda tramitam no Congresso, como o Procultura e o Vale Cultura, entre outros, para exemplificar os investimentos feitos para o desenvolvimento cultural do País.

No ato da posse da ministra da Cultura, Ana Maria Buarque de Hollanda, foi entregue a ela uma Carta Aberta com cerca de 400 assinaturas de artistas, membros e representantes de universidades, organizações não-governamentais, centros de cultura, orquestras, pedindo atenção a certas conquistas da pasta nos últimos oito anos.

A Carta de "expectativas e pautas relativas à formulação de politicas públicas para a cultura", salienta que as entidades não aceitam recuo em alguns assuntos que consideram avanços, como os Pontos de Cultura, o Fórum da Cultura Digital, o Fórum de Mídia Livre, o desenvolvimento de softwares livres, a iniciativa de revisão da lei de direitos autorais e o Marco Civil da Internet, entre outros.
[...] confiamos que a Ministra da Cultura terá a sensibilidade de entender as transformações que a cultura sofreu nos últimos anos. E que velhas fórmulas não resolverão novos problemas (Carta Aberta, 28/12/2010).
Entre os assuntos mais polêmicos e complexos a serem enfrentados pela ministra Ana de Hollanda está a revisão da Lei do Direito Autoral. Em entrevista concedida no BNDES, no Rio, a nova ministra defendeu uma maior atenção à criação, afirmando:
O centro da cadeia produtiva da cultura está na criação. Quero dar grande atenção a essa área. É um fator essencial do povo brasileiro, que é a criatividade. A gente vê isso muito no futebol. E a produção que vejo é na música, no cinema, na dança, no circo, no design, no teatro, em todas as áreas a criatividade é muito rica. Então a difusão dessa área, não só no Brasil, mas fora, é muito importante. Fico lembrando a música do Maurício Carrilho e Aldir Blanc, que diz que o Brasil não conhece o Brasil.
Apesar de não estar entre as prioridades do governo de Dilma Rousseff, a ministra pretende insistir na cultura como meio de inserção social e vai aproximar-se das estatais em busca de investimentos:
Não pode haver um grande número de políticas autônomas, tudo tem de ser integrado. Eu reconheço na gestão do Gilberto Gil e do Juca um trabalho de penetração, de disseminação, e agora vou dar continuidade. O Ministério da Cultura precisa se relacionar com todas as outras áreas: educação, saúde etc.

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20100818

O Novo Mundo x Avatar

A proposta de "O Novo Mundo" é abordar os primórdios da nação americana, revisitando um episódio lendário: a chegada dos exploradores ingleses, no século XVII e os seus primeiros confrontos com os nativos.

O filme "O Novo Mundo" (The New World, 2005) passou quase despercebido no Brasil, assim como seu autor, Terrence Malick, também desconhecido para muitos. Entretanto, não se pode deixá-los no esquecimento ou esconder a originalidade e a beleza deste trabalho (tanto pela forma quanto pelo conteúdo). Esse entendimento é compartilhado pelo professor Ronaldo de Noronha, que compara este filme com Avatar, considerado um filme-paradoxo porque “nega implicitamente suas intenções explícitas”.

Avatar é uma alegoria em defesa da Natureza e dos povos que nela e dela vivem contra os interesses materiais, mas a forma de produzir as imagens empregadas por John Cameron para manifestar essa intenção, não é nada natural. “É a fórmula maniqueísta do filme de ação, com seu suspense de encomenda, personagens estereotipadas e batalhas espetaculares e ruidosas”.

Nativo observa chegada do colonizador inglês - cena de “O novo Mundo”

Por outro lado, "O Novo Mundo" não revela suas intenções quanto a natureza ou a floresta, mas compartilha do mesmo núcleo simbólico, como descreve Noronha (2010) – a Árvore da Vida; a Conquista da América, como origem da narrativa; e uma personagem: a filha do rei do povo da floresta, que namora o invasor – mas com muitas diferenças entre eles.

Conta Noronha (2010), que antes da filmagem, Malick e o fotógrafo Emmanuel Lubezki “decidiram filmar tudo sempre com luz natural e obrigatoriamente em profundidade de campo”, princípio do realismo que favorece a indeterminação do sentido. Os cameramen' foram encorajados a filmar também o inesperado ou intuitivamente, usando apenas câmeras na mão. Deviam execitar a visão subjetiva e buiscar imagens com força visual.

Por isso, a a câmera nunca está fixa, parecendo “vagar no espaço cênico, imponderável, imaterial”, flutuando, deambulando entre as coisas e os seres, como “um espírito invisível cujas razões para estar ali fossem incertas, indeterminadas”. Os movimentos; são leves e fluidos, em deslizamentos verticais e laterais.

Para ler a crítica de Ronaldo de Noronha, e informar-se sobre “O Novo Mundo”, visite A árvore da vida.

Para baixar livremente o filme, entre no Telona.org e aprecie.
E, já aviso ao público que o filme é lento e possui um visual impressionista que marcará para sempre os amantes do cinema. Ou seja, não é filme para a geração pipoca. É produção para quem gosta do verdadeiro cinema. Um filme poético como pouco se ve na sétima arte. O filme narra a história do capitão Joh Smith e Pocahontas: uma lendária relação surgida em 1607 (Renato Alves, s/d).

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20100518

Amazonas – Teatro-Música do século 21

Artistas, sociólogos, antropólogos, arquitetos e compositores trabalham em estreita cooperação para fazer de ‘Amazonas-teatro música’ uma ópera multimídia hipermoderna

A ópera “Amazonas” produzida pela Bienal de Munique e pelo Instituto Goethe, da Alemanha, reune, no mesmo palco, cenários virtuais e o mundo mítico dos índios yanomami. Sua estréia se deu em Munique, dia 8 último. No final do mês, será apresentada em Rotterdan (Holanda), em 21 de julho, estará em São Paulo (Brasil) e em agosto em Lisboa (Portugal).

“Amazonas”, em três atos, inova em tecnologia e conceito. Com o auxílio do filósofo e sociólogo Laymert Garcia dos Santos (engajado politicamente na causa dos índios da Amazônia), os compositores Klaus Schedl e Tato Taborda criaram uma obra sobre os índios com os próprios índios.

 Davi Kopenawa, autor de “A queda do Céu“

O primeiro ato, o olhar de longe, “Tilt”, refere-se à expedição de Sir Walter Raleigh pelo rio Orinoco (1595), antecipando o raciocínio europeu sobre a colonização e a mentalidade de latifúndio. O segundo ato, o olhar de perto, “A queda do Céu“, retrata a ganância e a destruição produzida pelo explorador branco, baseado no livro de mesmno nome do xamã yanomami Davi Kopenawa. O terceirto ato, grand finale, apresenta “Conferência Amazonas - Na Expectativa da Eficiência de um Método Racional para a Solução do Problema da Mudança Climática” sobre o futuro do planeta após a queda do céu, por meio de projeções sincronizadas por computadores.

No final, as cadeias informacionais da bio e da sociodiversidade são destruídas, retomando, no plano tecnocientífico, o que a segunda parte, “A Queda do Céu”, previra no plano mítico. Os atores se aproximam da plateia munidos de pequenas telas, nas quais surgem imagens dos espectadores captadas no curso das apresentações.


Depois de assistir a Ópera Amazonas “nenhum espectador deixará o teatro com a mesma consciência sobre a Amazônia com que entrou“, disse Joachim Bernauer, curador do projeto e diretor do Instituto Goethe de Lisboa. Para Peter Ruzicka, diretor artístico da Bienal de Munique, “Amazonas“ é uma redefinição do gênero operístico: “a produção representa o primeiro espécime do teatro-música do século 21”.

A ópera “Amazonas” conta com profissionais de várias partes do mundo (brasileiros, alemães, portugueses, austríacos, um suíço, um inglês), recorrendo às mais refinadas técnicas do som e da imagem digitais, apostando “na possibilidade de um encontro entre universos diferentes, o tradicional e o contemporâneo, entre ianomâmis e artistas e criadores europeus e brasileiros, a partir de um personagem e de seu trágico destino: a floresta amazônica e as ameaças de sua destruição.

Trata-se, portanto, de uma “ópera multimídia”, livre dos rígidos códigos do gênero operístico para usar diferentes materiais e suportes como a imagem e os sons eletrônicos.
“Foi assim que os sensíveis microfones levados pelos compositores e técnicos a Watoriki durante a preparação do trabalho captaram não só o canto dos xamãs, mas também os sons da floresta, do vento, da chuva, da fala do povo; eles penetraram em formigueiros, registraram ruídos de animais e pássaros, enquanto as câmeras negligenciavam as surradas imagens “folclóricas” para fazer um minucioso registro de folhas, luzes, cores, águas – concebendo imagens muito distantes da mera “ilustração” e da óbvia “combinação” de sons e imagens.” (Stella Senra, Trópico, 18/05/2010)
Para saber mais, acesse o site Amazonas - Teatro-música em três partes

Mas não deixe de ler também o texto de Stella Senra: Ianomâmis põem a Amazônia na ópera

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20100310

Caveiras em exibição

Reapropriando-se da Morte para encontrar o entendimento da Vida

Uma curiosa exposição de artes inaugurada em fevereiro último, no Musée Maillol, em Paris: C’est la Vie! Vanités de Caravage à Damien, está chamando muita atenção, a começar da recepção, onde o visitante é saudado com esta frase ameaçadora e irrefutável: Memento Mori: Lembre-se de que vai morrer - lembrança da nossa condição física temporal.

Nas artes, "vanitas" [vaidade] são representações do crânio humano que nos relembram o triunfo da morte sobre todos, a efêmera passagem do ser humano pela Vida e a igualdade de todos perante a Morte.

Essas representações foram muito populares em Flandres (região atualmente da Bélgica e Holanda), nos séculos 16 e 17, combinando caveiras e outros símbolos da efemeridade: frutas podres, ampulhetas e instrumentos musicais (cujos sons também terminam). O tema da morte e da brevidade da vida sempre esteve presente na pintura e escultura (e mais recentemente na fotografia e no cinema) desde a Antiguidade.

Andrieszen, Vanitas quiet life (1635)

Foi muito popular na Idade Média (com a Europa devastada pela peste negra e a Guerra dos Cem Anos), durante o período Barroco (com Caravaggio e os pintores flamengos - acima), entre as Grandes Guerras do Século 20  e no final da década de 70/anos 80 (com o advento da aids). “Ressurge com força na moda e no design neste início de Século 21, marcado, por um lado, pelos avanços da genética e, por outro, pelo consumismo em excesso e a ameaça ecológica (Otávio Dias, Estadão, 2010)”.

A exposição foi montada em três andares, apresentando, no primeiro, a sala dos contemporâneos Andy Warhol (Um dia todos terão direito a 15 minutos de fama), Jean-Michel Basquiat e Robert Mapplethorpe – já falecidos – e os ainda vivos Gerhard Richter, Yan Pei-Ming e Damien Hirst que, recentemente, chamou atenção dos londrinos, ao expor um crânio humano banhado em platina e coberto por 8.601 diamantes (esta obra Em nome de Deus (2007), ao lado, não está em exposição).

No primeiro andar é exibido também um vídeo em que um adolescente, num cenário de guerra (parece Sarajevo), faz embaixadinhas com um crânio.

Caravaggio, São Francisco de Assis meditando (1602)

No segundo andar estão os clássicos, com destaque para Caravaggio e Francisco de Zurbaran – ambos retratando São Francisco de Assis em meditação com um crânio na mão – Georges de La Tour e Delacroix, entre outros ilustres e anônimos.

Georges Braque, L'Atelier au crâne (1938)

O terceiro andar é dedicado aos modernos: Paul Cézanne, Pablo Picasso, Georges Braque (que pintou uma alegre ‘vanité’ em tons de verde e rosa), e Salvador Dalí entre outros famosos e desconhecidos.

Memento mori, mosaico de Pompéia, sec. I d.C

Marc Gassier, bague et anneau en ronde de squelettes (1980)

A mostra reúne ainda fotos e esculturas dos artistas mais renomados da atualidade, assim como objetos e joias de várias épocas, proporcionando uma viagem por mais de 2 mil anos de história da arte. A obra mais antiga em exibição na C’est la Vie! Vanités é um mosaico romano de Pompeia, do Século I d.C.
Dos artesãos de Pompeia às danças macabras medievais, dos pintores surrealistas do século 20 aos artistas da Pop Art ou os agentes provocadores da expressão artística mais recente, cada geração busca cristalizar a vaidade (‘vanité’) de uma civilização, para se reapropriar de sua morte e reencontrar assim o ciclo da vida (Patrizia Nitti, diretora do Museu Mailllol, no catálogo da exposição, p. 40).
Para conferir os trabalhos mais expressivos da C’est la Vie! Vanités, visite os sites de Alain Truong e LuxuryCultura.com que reproduzem algumas imagens dos 160 objetos, pinturas, esculturas, fotografias, vídeos e jóias em exposição.

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DICIONÁRIOS

ARTE DO DIA

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