Memórias de uma época - III

20100818

O Novo Mundo x Avatar

A proposta de "O Novo Mundo" é abordar os primórdios da nação americana, revisitando um episódio lendário: a chegada dos exploradores ingleses, no século XVII e os seus primeiros confrontos com os nativos.

O filme "O Novo Mundo" (The New World, 2005) passou quase despercebido no Brasil, assim como seu autor, Terrence Malick, também desconhecido para muitos. Entretanto, não se pode deixá-los no esquecimento ou esconder a originalidade e a beleza deste trabalho (tanto pela forma quanto pelo conteúdo). Esse entendimento é compartilhado pelo professor Ronaldo de Noronha, que compara este filme com Avatar, considerado um filme-paradoxo porque “nega implicitamente suas intenções explícitas”.

Avatar é uma alegoria em defesa da Natureza e dos povos que nela e dela vivem contra os interesses materiais, mas a forma de produzir as imagens empregadas por John Cameron para manifestar essa intenção, não é nada natural. “É a fórmula maniqueísta do filme de ação, com seu suspense de encomenda, personagens estereotipadas e batalhas espetaculares e ruidosas”.

Nativo observa chegada do colonizador inglês - cena de “O novo Mundo”

Por outro lado, "O Novo Mundo" não revela suas intenções quanto a natureza ou a floresta, mas compartilha do mesmo núcleo simbólico, como descreve Noronha (2010) – a Árvore da Vida; a Conquista da América, como origem da narrativa; e uma personagem: a filha do rei do povo da floresta, que namora o invasor – mas com muitas diferenças entre eles.

Conta Noronha (2010), que antes da filmagem, Malick e o fotógrafo Emmanuel Lubezki “decidiram filmar tudo sempre com luz natural e obrigatoriamente em profundidade de campo”, princípio do realismo que favorece a indeterminação do sentido. Os cameramen' foram encorajados a filmar também o inesperado ou intuitivamente, usando apenas câmeras na mão. Deviam execitar a visão subjetiva e buiscar imagens com força visual.

Por isso, a a câmera nunca está fixa, parecendo “vagar no espaço cênico, imponderável, imaterial”, flutuando, deambulando entre as coisas e os seres, como “um espírito invisível cujas razões para estar ali fossem incertas, indeterminadas”. Os movimentos; são leves e fluidos, em deslizamentos verticais e laterais.

Para ler a crítica de Ronaldo de Noronha, e informar-se sobre “O Novo Mundo”, visite A árvore da vida.

Para baixar livremente o filme, entre no Telona.org e aprecie.
E, já aviso ao público que o filme é lento e possui um visual impressionista que marcará para sempre os amantes do cinema. Ou seja, não é filme para a geração pipoca. É produção para quem gosta do verdadeiro cinema. Um filme poético como pouco se ve na sétima arte. O filme narra a história do capitão Joh Smith e Pocahontas: uma lendária relação surgida em 1607 (Renato Alves, s/d).

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20100518

Amazonas – Teatro-Música do século 21

Artistas, sociólogos, antropólogos, arquitetos e compositores trabalham em estreita cooperação para fazer de ‘Amazonas-teatro música’ uma ópera multimídia hipermoderna

A ópera “Amazonas” produzida pela Bienal de Munique e pelo Instituto Goethe, da Alemanha, reune, no mesmo palco, cenários virtuais e o mundo mítico dos índios yanomami. Sua estréia se deu em Munique, dia 8 último. No final do mês, será apresentada em Rotterdan (Holanda), em 21 de julho, estará em São Paulo (Brasil) e em agosto em Lisboa (Portugal).

“Amazonas”, em três atos, inova em tecnologia e conceito. Com o auxílio do filósofo e sociólogo Laymert Garcia dos Santos (engajado politicamente na causa dos índios da Amazônia), os compositores Klaus Schedl e Tato Taborda criaram uma obra sobre os índios com os próprios índios.

 Davi Kopenawa, autor de “A queda do Céu“

O primeiro ato, o olhar de longe, “Tilt”, refere-se à expedição de Sir Walter Raleigh pelo rio Orinoco (1595), antecipando o raciocínio europeu sobre a colonização e a mentalidade de latifúndio. O segundo ato, o olhar de perto, “A queda do Céu“, retrata a ganância e a destruição produzida pelo explorador branco, baseado no livro de mesmno nome do xamã yanomami Davi Kopenawa. O terceirto ato, grand finale, apresenta “Conferência Amazonas - Na Expectativa da Eficiência de um Método Racional para a Solução do Problema da Mudança Climática” sobre o futuro do planeta após a queda do céu, por meio de projeções sincronizadas por computadores.

No final, as cadeias informacionais da bio e da sociodiversidade são destruídas, retomando, no plano tecnocientífico, o que a segunda parte, “A Queda do Céu”, previra no plano mítico. Os atores se aproximam da plateia munidos de pequenas telas, nas quais surgem imagens dos espectadores captadas no curso das apresentações.


Depois de assistir a Ópera Amazonas “nenhum espectador deixará o teatro com a mesma consciência sobre a Amazônia com que entrou“, disse Joachim Bernauer, curador do projeto e diretor do Instituto Goethe de Lisboa. Para Peter Ruzicka, diretor artístico da Bienal de Munique, “Amazonas“ é uma redefinição do gênero operístico: “a produção representa o primeiro espécime do teatro-música do século 21”.

A ópera “Amazonas” conta com profissionais de várias partes do mundo (brasileiros, alemães, portugueses, austríacos, um suíço, um inglês), recorrendo às mais refinadas técnicas do som e da imagem digitais, apostando “na possibilidade de um encontro entre universos diferentes, o tradicional e o contemporâneo, entre ianomâmis e artistas e criadores europeus e brasileiros, a partir de um personagem e de seu trágico destino: a floresta amazônica e as ameaças de sua destruição.

Trata-se, portanto, de uma “ópera multimídia”, livre dos rígidos códigos do gênero operístico para usar diferentes materiais e suportes como a imagem e os sons eletrônicos.
“Foi assim que os sensíveis microfones levados pelos compositores e técnicos a Watoriki durante a preparação do trabalho captaram não só o canto dos xamãs, mas também os sons da floresta, do vento, da chuva, da fala do povo; eles penetraram em formigueiros, registraram ruídos de animais e pássaros, enquanto as câmeras negligenciavam as surradas imagens “folclóricas” para fazer um minucioso registro de folhas, luzes, cores, águas – concebendo imagens muito distantes da mera “ilustração” e da óbvia “combinação” de sons e imagens.” (Stella Senra, Trópico, 18/05/2010)
Para saber mais, acesse o site Amazonas - Teatro-música em três partes

Mas não deixe de ler também o texto de Stella Senra: Ianomâmis põem a Amazônia na ópera

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20100310

Caveiras em exibição

Reapropriando-se da Morte para encontrar o entendimento da Vida

Uma curiosa exposição de artes inaugurada em fevereiro último, no Musée Maillol, em Paris: C’est la Vie! Vanités de Caravage à Damien, está chamando muita atenção, a começar da recepção, onde o visitante é saudado com esta frase ameaçadora e irrefutável: Memento Mori: Lembre-se de que vai morrer - lembrança da nossa condição física temporal.

Nas artes, "vanitas" [vaidade] são representações do crânio humano que nos relembram o triunfo da morte sobre todos, a efêmera passagem do ser humano pela Vida e a igualdade de todos perante a Morte.

Essas representações foram muito populares em Flandres (região atualmente da Bélgica e Holanda), nos séculos 16 e 17, combinando caveiras e outros símbolos da efemeridade: frutas podres, ampulhetas e instrumentos musicais (cujos sons também terminam). O tema da morte e da brevidade da vida sempre esteve presente na pintura e escultura (e mais recentemente na fotografia e no cinema) desde a Antiguidade.

Andrieszen, Vanitas quiet life (1635)

Foi muito popular na Idade Média (com a Europa devastada pela peste negra e a Guerra dos Cem Anos), durante o período Barroco (com Caravaggio e os pintores flamengos - acima), entre as Grandes Guerras do Século 20  e no final da década de 70/anos 80 (com o advento da aids). “Ressurge com força na moda e no design neste início de Século 21, marcado, por um lado, pelos avanços da genética e, por outro, pelo consumismo em excesso e a ameaça ecológica (Otávio Dias, Estadão, 2010)”.

A exposição foi montada em três andares, apresentando, no primeiro, a sala dos contemporâneos Andy Warhol (Um dia todos terão direito a 15 minutos de fama), Jean-Michel Basquiat e Robert Mapplethorpe – já falecidos – e os ainda vivos Gerhard Richter, Yan Pei-Ming e Damien Hirst que, recentemente, chamou atenção dos londrinos, ao expor um crânio humano banhado em platina e coberto por 8.601 diamantes (esta obra Em nome de Deus (2007), ao lado, não está em exposição).

No primeiro andar é exibido também um vídeo em que um adolescente, num cenário de guerra (parece Sarajevo), faz embaixadinhas com um crânio.

Caravaggio, São Francisco de Assis meditando (1602)

No segundo andar estão os clássicos, com destaque para Caravaggio e Francisco de Zurbaran – ambos retratando São Francisco de Assis em meditação com um crânio na mão – Georges de La Tour e Delacroix, entre outros ilustres e anônimos.

Georges Braque, L'Atelier au crâne (1938)

O terceiro andar é dedicado aos modernos: Paul Cézanne, Pablo Picasso, Georges Braque (que pintou uma alegre ‘vanité’ em tons de verde e rosa), e Salvador Dalí entre outros famosos e desconhecidos.

Memento mori, mosaico de Pompéia, sec. I d.C

Marc Gassier, bague et anneau en ronde de squelettes (1980)

A mostra reúne ainda fotos e esculturas dos artistas mais renomados da atualidade, assim como objetos e joias de várias épocas, proporcionando uma viagem por mais de 2 mil anos de história da arte. A obra mais antiga em exibição na C’est la Vie! Vanités é um mosaico romano de Pompeia, do Século I d.C.
Dos artesãos de Pompeia às danças macabras medievais, dos pintores surrealistas do século 20 aos artistas da Pop Art ou os agentes provocadores da expressão artística mais recente, cada geração busca cristalizar a vaidade (‘vanité’) de uma civilização, para se reapropriar de sua morte e reencontrar assim o ciclo da vida (Patrizia Nitti, diretora do Museu Mailllol, no catálogo da exposição, p. 40).
Para conferir os trabalhos mais expressivos da C’est la Vie! Vanités, visite os sites de Alain Truong e LuxuryCultura.com que reproduzem algumas imagens dos 160 objetos, pinturas, esculturas, fotografias, vídeos e jóias em exposição.

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20100201

Dança das cores


Leonid Afremov, nascido em 1955 (Bielorússia), estudou artes plásticas em Israel (Vitebsk Art School) e, atualmente, vive em Miami (EUA). Seu trabalho usa cores fortes e brilho, criando imagens visualmente impactantes. Usa espátulas no lugar de pincéis para aplicar inúmeras camadas de tintas sobre a tela. Seu estilo é fauvista* que marca pela simplicidade das formas, pelo primado das cores e por uma elevada redução de graduação das cores. São paisagens urbanas molhadas de chuva, do sereno da noite, de neve derretida.



Aqui, uma coletânea de obras de Afremov, sem dúvida, uma das grandes expressões do fauvinismo contemporâneo, mais apurado, mais detalhado


* Fauvistas (do francês les fauves,‘as feras') é como foram chamados os pintores seguidores do fauvismo, não impressionista, toscamente colorido, simples: Paul Gauguin, Georges Braque, Andre Derain, Jean Puy, Paul Cézanne e Henri Matisse, estão entre os mais famosos fauvistas do passado, iniciadores deste estilo.

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20100122

As criaturas de Kleber da Silva

Kleber da Silva, 49 anos, pedreiro e também artista plástico, expõe suas obras ao relento, no barranco da sua casa. Estilo de arte primitiva aplicada a troncos e galhos de árvores secas recolhidas de diferentes lugares e trabalhadas com estiletes, formão, serrote, pincéis, tintas e cola de madeira. Não corta nem derruba árvores vivas para suas criaturas, ressalta o artista.

A (ins)piração para realizar sua inusitada arte veio de um problema de trânsito, na rua onde mora. Havia um buraco que causava muitos transtornos, surpreendendo veículos, ciclistas, carroceiros e até pessoas, à noite.

Cansado de se levantar para ajudar motoristas a tirar carros do buraco ou ajudar ciclistas que, inadvertidamente, caiam dentro e se machucavam, Kleber decidiu colocar galhos de árvore para sinalizar o local. Como a prefeitura continuava indiferente ao problema e os galhos apodreciam, teve a idéia de colocar um toco com um boné e um pano, que se transformou num boneco expressivo e engraçado, depois de ganhar olhos, óculos, adereços e uma “companheira grávida”.

Os bonecos, motivo de risos para quem passava pelo local, finalmente, chamou a atenção da prefeitura e o buraco foi tapado. Só que os bonecos foram jogados no canto da rua, ali ficando até de noite, quando chegou do trabalho. Como eles haviam cumprido a missão com sucesso, decidiu mantê-los na porta de sua casa, e descobriu que, mesmo imóveis e de matéria amorfa, os bonecos, de alguma forma, tomaram “vida”.


A partir daí, todo toco ou galho que encontrava colocava dentro da sua kombi, levava para casa e fazia surgir com entalhes e encaixes bonecos expressivos. Colocava-os ao lado do casal original e, assim, formando um ambiente natural interessante com mais de 20 personagens diferentes. (Ao lado, entre galhos e troncos, uma peça vai tomando forma).


Depois de passar alguns momentos entre essas criaturas, a visão de tocos e galhos secos muda. A gente começa a ver bonecos escondidos neles, que fazem refletir sobre como a natureza é bela e misteriosa, revelando olhares, mostrando direções, enfatizando traços humanos conhecidos, enfim, despertando na gente o prazer da arte primitiva, que brota espontaneamente e emociona.

arte primitiva de galhos e troncosAs esculturas ficam à beira da rua Antonieta Fonseca, 461 (fincadas no barranco e suspensas nas árvores), no bairro Santos Dumont (saída para Buritis), em Divinópolis. A figura ao lado leva a outras imagens da arte de Kleber da Silva, n'A Página 11.

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